Mariana Camba / Joel H. Silva
No último dia 02 de outubro ocorreram as eleição municipais, nas quais foram votados os candidatos a prefeito e vereador. Em todo o país mais de 144 milhões de eleitores foram às urnas ou justificaram o seu voto, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Quando se pensa no conceito de cidadania, o voto é visto como o maior exemplo disso na prática. Mas será que de fato esses mais de 144 milhões de eleitores sabem dos seus direitos e deveres de cidadão?
De acordo com o cientista político e professor da Unicamp, André Leão, a cidadania nada mais é do que o direito pleno, empregado em três aspectos: civil, política e social. O cidadão tem responsabilidades e deveres diferentes em cada uma dessas esferas do conceito. A questão a ser pensada segundo Leão, é se nesses três casos encontrasse a plenitude do significado. Questões como a democracia e a igualdade envolvem essas perguntas e acabam com explicações nada favoráveis ao conceito de justiça do homem.
“Em cada esfera dessa tríplice significação do conceito de cidadania, pode-se encontrar problemas e deficiências que se moldaram com o passar do tempo, e que foram se adaptando às diferentes sociedades em que foram empregados”, afirma Leão. O ideal mesmo só se encontra no papel. O cientista político deixa claro que a teoria em si pontua e coloca tudo como deve ser, como o estado propõe e como os cidadãos esperam, mas a realidade está um tanto quanto distante disso.
Dentre os princípios fundamentais pontuados pela Constituição Federal, no artigo 1, os três primeiros itens são: a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Dentro do campo do cidadão a Constituição esclarece os significados: pela lei todos são iguais, garantindo o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. O problema é que a maioria das pessoas não têm essa noção e nem dão valor a isso, por isso que na prática nem tudo acontece como a lei prescreve.
O cidadão, antes de qualquer coisa, precisa ter consciência e conhecimento de tudo o que engloba o seu papel jurídico na sociedade. “Como exercer sem ter dimensão do poder que se tem em mãos? Como poder argumentar e exigir sem saber do que se trata, e sem ter real noção das consequências de suas escolhas e atitudes? Não é possível. Simples. Não tem como formar um bom cidadão sem dar a ele todas as informações que permeiam essa soberania”, conclui o especialista.
Esfera Social
Com relação aos direitos sociais podemos apontar duas áreas que são a base da estrutura: a educação e a saúde. Esses dois pilares dão sustentação para os tantos outros direitos que o cidadão encontra no campo social. É com base nestes dois fatores que se desenvolve outros conceitos de bem estar e qualidade de vida.
De acordo com o especialista em educação e leitura, Ezequiel Teodoro, “a educação pública tem essa visão de igualdade, mas infelizmente ainda não consegue colocar isso na prática. É exigido por lei que o estado dê educação de qualidade para todos até o ensino médio, portanto é direito do cidadão”.

Teodoro deixou claro que muitas pessoas hoje estão caindo fora desse sistema, e diversos são os motivos que levam a isso. “A educação, infelizmente ou não, ainda faz parte desse jogo do capital, ainda é uma forma do estado conseguir ganhar dinheiro”. A partir do momento em que o que é público é ruim tem que existir o bom, tanto para que haja uma comparação, quanto para se ter uma forma de fuga, mesmo que seja forçada. No caso, a outra possibilidade é aquela em que o acesso é limitado e que o uso é pago, a escolar particular.
Acabam se formando estigmas sociais de que a escola particular é boa e que a pública é ruim, e isso não é verdade. Na realidade há um interesse econômico em manter isso, de acordo com Teodoro. O estado até tenta criar programas sociais para dar a oportunidade de integração a todos, mas a crise econômica que se instala no Brasil hoje, por exemplo, está deixando isso para uma outra fase.

Na opinião do especialista, hoje ainda há uma reprodução da injustiça social que cerca o cidadão, que o impede de exercer o direito pleno da cidadania. Não tem atendimento para todos na escola infantil, não tem ainda parâmetros de qualidade por causa de uma série de problemas que afetam a formação do próprio cidadão. Como formar um cidadão sem educação? “Impossível”, diz Teodoro. “Precisa-se trabalhar conceito éticos, valores sociais e políticos para se originar o conceito de justiça social”.
No campo da saúde, segundo Rosana Onocko, professora da Unicamp e especialista em saúde coletiva, o país como um todo melhorou em termos jurídicos com relação ao acesso e ao direito da saúde pública, mas ainda tem muito para evoluir, principalmente quando se pontua as classes com menor poder aquisitivo.
A realidade da saúde coletiva ainda tem as suas deficiências. Ressalta a questão das consultas que em geral são demoradas, e cita o problema de ainda haver carências com relação ao atendimento com especialistas. “Há falta de remédios, de recursos, os prazos então, muito dificilmente são cumpridos. Essas questões mostram como a cidadania é falha na quando colocada na prática”.

Os conceitos de igualdade, de que todos possuem o direito à vida, não está sendo cumprido a via de regra. Se você tem uma doença em estágio terminal, precisa de um remédio ou tratamento com urgência, e não tem médico, não tem medicamento, acaba que um dos direitos mais importantes de qualquer cidadão é restringido.
A especialista em saúde coletiva afirmou que os sistemas de funcionamento da saúde pública se tornaram muito burocratizados. Em relação a todas concepções de direitos discutidas, o direito do acesso é negado na maioria das vezes quando se pensa na saúde coletiva, assim como acontece na educação. “O ideal seria tornar o que é público uma referência de qualidade, e não ter que pagar para poder usufruir o que já é de direito de qualquer cidadão”, afirmou Rosana.
Esfera Civil
De acordo com o cientista político André Leão, os direitos na política foram surgindo com a expansão do estado, juntamente com o trabalho do bem estar social. A convivência em sociedade estabelece regras, direitos e deveres, mas sempre em prol de algo em comum que seria o bem estar social.

Os diretos civis, em suma, representam a essência da liberdade e do direito individual de cada cidadão, como o direito de ir e vir, de pensamento, de crença e da religião. O estado em questões legais, protege e acerca cada pessoa, dando a ela a possibilidade de escolha. Aí vêm o conceito de justiça. Para se manter a ordem, as diferenças deveriam ser respeitadas conforme o estado garante, já que em tese a igualdade existe, então todos estão livres para expressarem suas opiniões e posicionamentos de maneira igual. Mas isso não acontece, segundo Leão.
As políticas devem priorizar o cumprimento de várias questões de cunho social, político e civil. A partir daí quem deve resolver cada problema dessas três esferas são os representantes do município, do estado e do país, que necessariamente precisam saber lidar com isso e garantir uma solução para cada deficiência. Por isso que o voto é uma das maiores armas do cidadão nessa batalha. O cientista político ressaltou que o poder de escolha cabe ao povo e é isso que as pessoas precisam ter consciência, da dimensão que uma escolha errada pode gerar.
Esfera Política
Em termos de direitos políticos, o ex-presidente da Câmara Municipal de Campinas e presidente da Associação dos Municípios do estado de São Paulo, Carlos Cruz, diz que o voto é o momento mais sublime de cidadania. “Isso representa a democracia em simbologia. A votação tem o intuito de que todos sejam igualados quanto o poder de escolha, e o no caso, a maioria decide”.
O cidadão deve procurar em todos os partidos políticos qual é aquele que a proposta mais se identifica com o seu pensamento, afinal você quer que te represente alguém que apoie seus valores e projeções. A segunda parte mais importante, segundo Cruz, é a fiscalização da ação do agente público e se manifestar perante a isso. É necessário que haja uma participação coletiva. Para auxiliar na fiscalização de órgãos públicos, é possível fazer consultas das contas e despesas públicas em portais como o Transparência Brasil e o Portal da Transparência do governo federal
A democracia e a formação de cidadãos é um processo evolutivo, esclareceu Carlos, portanto, nunca vai acabar. Cada época, cada sociedade, cada mandato é um processo dessa evolução, uma etapa de adaptação e transformação, cabe às pessoas aprenderam com os erros. “Hoje o brasileiro tem essa consciência, o problema é que há muitos conflitos de ideias” afirma.
A democracia brasileira ainda é jovem. A última constituição foi oficializada apenas em 1988, isso faz menos de 30 anos. É pouco tempo de avaliação para se chegar na plenitude da ideia. Os “testes” que colocaram isso a prova ainda são fracos para moldar um conceito infalível, se é que isso é possível, já que evolução é constante e por isso a perfeição não é alcançável. O ex-presidente da Câmara campineira disse que cabe ao povo se instruir, aprender e buscar melhorar tamanhas deficiências que ainda são encontradas na prática política.
Origem histórica da cidadania
O conceito de cidadania passou por diversas transformações e renovações desde sua concepção, sempre sendo moldada de acordo com o contexto de cada período. Segundo o historiador e professor da PUC-Campinas, Lindener Pareto, tais transformações só foram possíveis graças a pressões e reivindicações populares que mudam de tempos em tempos de acordo com as novas demandas sociais, e mudanças de atitude alimentadas pelas novas gerações.
Cidadania atualmente é muito mais que o simples direito de votar e ser votado. É ter educação de qualidade, saúde, informação, poder de participação na condução das políticas públicas e igualdade de oportunidades. Mas, para entender o real significado do que é ser cidadão, e no que isso implica dentro do meio em que se vive, é necessário antes de tudo entender a origem do conceito, e alguns dos principais marcos na história humana, no avanço do direito e de igualdade.
Brasil
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil, sancionada em 5 de outubro de 1988, pela Assembleia Nacional Constituinte, consolidou a democracia e os direitos do cidadão após longos anos de ditadura militar. Apesar de todos os avanços, ainda existe muito a ser conquistado. “Não há como pensar em aplicação da constituição sem distribuição de renda, igualdade de oportunidades, educação crítica e de qualidade e etc. O Estado e a classe política no Brasil não só descumprem a constituição de 1988 como também a violam frequentemente”, afirmou o historiador Lindener Pareto.

Segundo o sociólogo Jessé Marques, hoje podem ser observados muitos movimentos sociais que reivindicam seus direitos, como por exemplo o movimento LGBT e o feminista. “Neles questionam-se diferentes lutas, e o resultado é qualquer coisa menos igualdade, se não, não haveria tantos movimentos diferentes buscando serem ouvidos e representados”.
A relação de cidadania e igualdade está mais do que nunca explícita. É necessário que as pessoas sejam respeitadas e tenham direitos iguais perante suas desigualdades, daí vem a liberdade de escolha e de expressão, que é um dos direitos do cidadão. Há a carência de se estabelecer limites do respeito e de aceitação na sociedade atual.
Até na questão dos Direitos Humanos pode-se pensar: qual humano está sendo resguardado nessas pontuações? Seria o branco ocidental, o hétero negro oriental, o homossexual? Deveriam ser todos, e teoricamente são, mas na prática isso não atinge todas as populações. De acordo com o Jessé, o país está passando por um processo de evolução no conceito e aplicação de cidadania. Cabe ao povo manter o processo rumo a igualdade democrática.
Editada por Thiago Tedeschi