Estudantes reclamam por debate racial na Universidade

Por Verônica Miranda

Em debate na PUC Campinas sobre o tema “Racismo na Universidade”, ocorrido no último dia 10, a Prof.ª Alessandra Ribeiro, membro da “Casa de Cultura Fazenda Roseira”, apresentou a partir de sua dissertação de mestrado algumas curiosidades sobre os patrimônios de Campinas e a história do negro na cidade. Sua pesquisa aborda a escassa referência aos negros nos patrimônios de Campinas.

Para Lucas Jerônimo, estudante de jornalismo da PUC Campinas, as discussões sobre racismo deveriam acontecer de forma mais frequente no ambiente acadêmico. “Eu acredito que a Universidade acaba reproduzindo o que é real na sociedade. Por exemplo, falta espaço para discussões como essa, não só sobre cor e raça, mas também sobre as várias formas de opressão que são cometidas todos os dias, dentro da própria Universidade, como reflexo do que acontece fora”, argumenta. Para Jerônimo, este é um local onde não pode faltar este debate, principalmente por  nem sempre ter sido frequentado por negros, devido a repressão social e econômica. “É perceptível ainda que, ainda mais se tratando de uma Universidade privada, que recorre os seus interesses exclusivamente ao lucro, não se pensa sobre o humanismo e a construção de uma discussão que possa contribuir para a formação técnica e também de pensamento e opinião para a sociedade.”

A estudante de Educação Física Ana Cristina de Oliveira, também aluna da PUC Campinas, reclama da falta de espaço para o debate dentro da Universidade. “Primeiramente a PUC terá que começar com um pequeno espaço para as discussões, e então ir ampliando. Por exemplo, oferecendo uma palestra para todos os cursos da área de Humanas, e depois ampliar para todos os cursos”, sugere. Ana acredita ainda que, além da falta de espaço, há a falta de interesse por boa parte dos alunos. “Esses problemas sociais não afetam a vida deles. É cada um por si nos pensamentos dessa galera.”

Segundos os autores Heloísa Buarque de Almeida e José Szwako, na obra Diferenças, igualdade, o racismo é tão antigo quanto a própria humanidade. Entretanto, não é preciso ir muito longe para perceber a  discriminação. Basta olhar quem frequenta as escolas públicas e quem é mais frequentemente abordado pela polícia. Em 1988, após cem anos de abolição a escravatura no Brasil, um grupo de estudiosos da Universidade de São Paulo realizou uma pesquisa sobre preconceito, contendo apenas duas perguntas: “Você tem preconceito de cor?” e “Conhece alguém que tenha preconceito de cor?”. A resposta sendo “sim”, o entrevistado teria que explicar sua relação com a pessoa citada. O grau de proximidade exposto foram os de amigos, parentes e namorados. De acordo com os resultados, 97% afirmaram não ter preconceito, porém, 99% disseram conhecer alguém preconceituoso. Através disso, concluiu-se que o brasileiro se sentia numa democracia racial, entretanto, acreditava também estar rodeado por racistas.

"O Jantar" de Jean Baptiste Debret, 1827.
“O Jantar” de Jean Baptiste Debret, 1827. (Crédito: Livro dos Homens, de Ronaldo Correia Brito)

Como exposto em Diferenças, igualdade, em 1930, o que antes era “mestiço” se tornou popular e nacional, processo que foi chamado também “desafricanização”, tendo como exemplo a feijoada, que antes era conhecida como comida de escravos, assim como a capoeira, que antes era crime. A escolha pela santa mestiça encontrada no Rio Parnaíba, Nossa Senhora da Conceição Aparecida, como a padroeira do Brasil, também na década de 30, não foi apenas uma coincidência.

Obra “Capoeira” de Augustus Earle (1793-1838). No fundo há um guarda que representa a repressão a cultura Afro (Créditos: Biblioteca Nacional de Camberra)
Obra “Capoeira” de Augustus Earle (1793-1838). No fundo há um guarda que representa a repressão a cultura Afro (Créditos: Biblioteca Nacional de Camberra)

O racismo é uma forma de discriminação no meio social, mas também age como divisor de território. Mapeando a distribuição da população por cor ou raça é possível notar que, apesar do país ter sido habitado por indígenas, por exemplo, eles são minoria atualmente, segundo último levantamento do IBGE de 1999, como pode ser analisado na tabela abaixo que destaca também as concentrações em cada região:

Brasil e Grande Regiões Distribuição da população por cor ou raça (1) (%) – 1999
Branca Preta Parda Amarela Indígena
Brasil 54,0 5,4 39,9 0,5 0,2
Norte (2) 28,0 2,3 68,3 0,2 0,9
Nordeste 29,7 5,6 64,5 0,1 0,1
Sudeste 64,0 6,7 28,4 0,8 0,1
Sul 83,6 3,0 12,6 0,5 0,2
Centro-Oeste 46,2 3,5 49,4 0,4 0,5

Crédito: Verônica Miranda / Fonte: IBGE

Tratando-se de escolaridade, a média de anos de estudo da população branca é de 6,6 anos, enquanto os pardos têm 4,6 anos, segundo dados da PNAD 1999. 30% dos negros são analfabetos, contra 12% dos brancos. Quanto ao acesso à saneamento básico e saúde o cenário não é diferente, refletindo nas taxas de mortalidade de crianças abaixo dos cinco anos:

Brasil e Grande Regiões Taxa de Mortalidade infantil e de menores de 5 anos de idade (1) por cor 
Taxa de Mortalidade infantil / mil
Branca Preta e parda
Branca Preta e Parda
Brasil 37,3 62,3
Norte
Nordeste 68,0 96,3
Sudeste 25,1 43,1
Sul 28,3 38,9
Centro-Oeste 27,8 42,0

Crédito: Verônica Miranda / Fonte: IBGE

Uma das leis que protegem a vítima do racismo é a “Lei Caó”, que este neste ano completou 25 de criação. Ela determina a pena de reclusão a quem tenha cometido atos de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A lei, que entrou em vigor em 1989, ficou conhecida por este nome em homenagem ao seu autor, deputado Carlos Alberto de Oliveira.

A raça não é mais uma perspectiva biológica, e sim um elemento social, político e histórico, mas não se pode dizer que não há racismo. Entretanto, como dizia Gilberto Freyre, um dos principais autores a retratar os negros no Brasil, “todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e do negro.”

Editado por Juliana Gimenes

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