Cine Paradiso – o último cinema de rua de Campinas

por Caio Coletti e Alef Gabriel

A data era 16 de Abril de 1983 quando o Senac da Rua Sacramento recebeu a primeira sessão do cineclube fundado por Hélcio Henriques e Laércio Júnior, entre outros sócios-proprietários. O filme era Tristana (1970), de Luís Buñuel, marcando a consolidação do sonho de estabelecer em Campinas um cineclube que durasse mais que poucas semanas, naquele mesmo mês o Senac exibiria Uirá, de Gustavo Dahl, e O Homem que Virou Suco, de João Batista Andrade. Nove anos depois de sua estreia no Senac, o cineclube se mudaria para a Galeria Barão Velha e se tornaria uma das salas de cinema mais simbólicas da cidade, o Cine Paradiso.

O sócio-fundador Hélcio Henriques/ Crédio: Alef Gabriel
O sócio-fundador Hélcio Henriques/ Crédio: Alef Gabriel

Fundação

O ritmo de exibição semanal concebido pelos cinemas da época, fazia com que os jovens que queriam trabalhar na área buscassem formas alternativas e mais amadoras de se fazer cinema. “Acontecia muito isso nas décadas de 70 e 80, os estudantes entravam na faculdade, tinham vontade de fazer cinema, mas daí ninguém aguentava o pique de funcionar todo final de semana. Então era aquela coisa muito mais por diletantismo”, relembra Hélcio.

Com a dedicação dos proprietários e funcionários, e após se estabelecer na Galeria Barão Velha, o Paradiso se tornou a principal opção dos campineiros que buscavam uma programação alternativa, que fugia dos filmes vistos nos cinemas comerciais. “Naquela época, em 1983, Campinas era muito melhor. O único cinema de shopping que existia era o Cine Serrador, que era no Iguatemi – e eram suas salas só. Então, o Centro fervia”, conta Hélcio.

Esvaziamento do público

Conforme os anos passaram, após a estreia na Barão Velha em 1992, o Paradiso viu seu público diminuir. Hélcio aponta vários fatores que influenciaram no processo de esvaziamento e fechamento da sala, especialmente a dificuldade de bancar novas tecnologias “As pessoas na década de 80 iam e sabiam que podia quebrar, tinham paciência… ninguém se preocupava com estacionamento, as pessoas caminhavam. Ninguém tinha essa preocupação do som estéreo, só havia preocupação com o filme”.

A concorrência do então Cine Jaraguá, no atual Shopping Prado, também representou um obstáculo, já que a sala apresentava a mesma proposta de filmes alternativos.

Funcionário do Paradiso desde a sua abertura, Gilberto Gatti reflete sobre a sobrevivência de algumas salas de rua em São Paulo: “São Paulo é muito diferente daqui. Tem muito mais gente, o povo sai mais de casa, sempre tem gente nos lugares, então é mais fácil você manter uma coisa, mas aqui em Campinas eu acho muito difícil você abrir um cinema de porta de rua e dar certo”.

Gatti diz ter planos de escrever um livro com as histórias (e a história) do Cine Paradiso, muitas das quais adiantou para o Digitais em entrevista. “Tinha um casal que ia com um bebezinho, de carrinho mesmo. Eles colocavam o menino e ele dormia o tempo inteiro. Eles voltaram depois com o menino já grandinho, porque a gente ficou muitos anos aí na Galeria”, relata.

Fechamento

Hélcio lembra que meses antes do fechamento do Paradiso, o cineasta campineiro Marcos Craveiro, filmou um curta-metragem nas dependências do cinema. A Última Estação retrata uma história que se tornou em realidade, ou quase isso: no filme, o próprio Hélcio interpreta o proprietário de um cinema de rua prestes a se fechar, que recebe um jovem diretor sonhador como funcionário e o ajuda a produzir um filme.

Na ocasião do fechamento do Paradiso, Hélcio estava no Festival de Curtas-Metragens de Nova York, apresentando A Última Estação. “Meu filme foi exibido na quinta-feira [28 de Outubro de 2009] em Nova York. Aí eu tive que falar lá na frente, né! Em inglês. Tomei umas margaritas antes pra ter coragem. E eu contei: ‘gente, nesse exato momento, não sei questão de fuso horário… mas tá acontecendo a última sessão do meu cinema’”, ele relembra.

Hélcio afirma que mesmo depois de cinco anos de encerrado suas atividades, ele nunca mais teve coragem de visitar o local onde seu cinema funcionou por 17 anos. Atualmente, o prédio é ocupado por um restaurante.

Editado por Lucas de Lima

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