A representação da mulher nos games

Por Nathani Mota e Priscilla Geremias

As mulheres representam 41% dos jogadores de games eletrônicos no Brasil, segundo a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Nos Estados Unidos, esse número é maior, de acordo com a Entertainment Software Association (ESA), o público feminino representa 48%. Porém, o mercado ainda não as considera público alvo de seus produtos, de 669 jogos analisados pela Eletronic Entertainment Design and Research (EEDAR) com protagonista reconhecido, apenas 24 tinham uma personagem feminina como protagonista exclusiva.

Para o jornalista Artur Palma, que escreveu o artigo “Personagens Femininas nos Games: Um Estudo Sobre a Representação de Gênero”, os videogames enfrentam um problema de representação que está presente em toda a mídia mainstream, como os filmes de Hollywood e seriados de televisão, em que normalmente a mulher não ocupa papéis de protagonismo em que elas são capazes de surpreender os espectadores.

Artur classifica os personagens dos games como bidimensionais, falsas tridimensionais e tridimensionais. O jornalista defende que as que têm menos espaço no mercado são as tridimensionais.

As personagens bidimensionais são usadas como objeto de cena e suporte para o protagonista, como a Princesa Peach no jogo Super Mario Bros, da Nintendo. As falsas tridimensionais são bidimensionais, mas fingem ter alguma motivação, mesmo que essa motivação não seja importante para a narrativa, como a Lara Croft em Tomb Raider. Já as personagens tridimensionais são as que possuem um arco próprio, “essas são capazes de surpreender e são as mais humanas, aquelas que a gente consegue se relacionar melhor”, afirma.

Essa falta de personagens tridimensionais, muitas vezes, desmotiva por falta de representatividade. “Você pode se relacionar com personagens que não são você”, Palma explica, “mas o que desanima as mulheres não é a falta de personagens femininas apenas, mas é a falta de mulheres bem construídas no geral”.

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Geralmente, as mulheres são representadas de forma caricata e assumem dois esteriótipos: as damas em perigo ou mulheres sexualizadas. Nesses dois casos, Palma afirma que o que mais incomoda é a falta de personagens que cresçam junto com o jogador e nisso o gênero é o menos importante. “Não importa ser homem ou mulher, pois é necessário ter boas representações e não bidimensionalidade de todos”, afirma Palma.

Para a professora Tatiana Dantas do curso de Jogos Digitais da PUC-Campinas, a sexualização de personagens femininas é uma retratação da sensualidade feminina. Assim como Palma, Dantas também retrata a personagem Lara Croft e, “a roupagem é para mostrar a sensualidade, e se ela estivesse vestida como um soldado iria descaraterizar a evidência da figura feminina, sem ligação com fetiches” e defende que os desenvolvedores optimizam essas formas femininas e retratam essa sensualidade por conta da beleza do corpo. “Existe a interpretação pejorativa, mas também existe o lado da apreciação estética”, afirma.

Para Dantas, o que determina o personagem é o roteiro. Confira abaixo:

A estudante de Design de Games da Universidade Anhembi Morumbi, Brenda Carnevalli, enxerga um aumento nos jogos voltados para o público feminino, mas ainda percebe um estigma. “Eles acham que a mulher no game só quer mostrar a sensualidade, porque hoje os jogos são mais voltados para os homens”, afirma. Carnevalli também reclama que os jogos voltados para as mulheres não são trabalhados, “eu percebo que são jogos de vestir boneca ou voltados para a vida social”.

Ativista gamer

Olhando para esse cenário, Anita Sarkeesian, criadora do site Feminist Frequency, resolveu discutir a representação das mulheres em narrativas da cultura pop. Em agosto lançou uma série sobre a misoginia nos jogos no Youtube e passou a ser perseguida na internet.

Anita critica a sexualização das personagens femininas em jogos, como no Grand Theft Auto V (GTA), jogo mais vendido em 2013.

Para a estudante de Design de Jogos, isso é uma característica do mercado. “Os homens sempre tem uma imaginação sobre o corpo feminino, e quando o público alvo são eles, os desenvolvedores fazem de tudo para atraí-los, por isso eles fazem isso com as mulheres”, afirma Carnevalli.

O mercado de trabalho

Segundo a ESA, apenas 11% dos designers da indústria são mulheres e a professora de Jogo Digitais acredita que a falta de mulheres no mercado se dá por dois motivos, “elas acabam se encaixando mais na área de artes e menos na área de programação, e também há falta de apoio da família, os pais não enxergam o mercado de games como um trabalho ‘seguro’ e com grandes oportunidades, as vezes até veem a mulher gamer de forma preconceituosa”.

Nesse contexto, Artur Palma evidencia uma tendência social, que é a sociedade machista desmotivar as mulheres a trabalhar em áreas novas. “Às vezes, tem mulheres que ocupam espaço em empresas de jogos, mas na área de relacionamento com a mídia e não diretamente com a criação da obra”, constata.

Essa também foi a impressão de Brenda Carnevalli quando visitou o escritório EA Games no Canadá em outubro. “Você vê poucas mulheres e a maioria trabalha na área pessoal ou na parte de marketing e relações públicas”, conta.

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Brenda Carnevalli e sua equipe na sede da EA Games no Canadá (Crédito: Arquivo pessoal/Brenda Carnevalli)

Um exemplo contrário é a equipe de roteiristas de Ken Levine, criador do jogo Bioshock, em que mais da metade da equipe é composta por mulheres. Palma diz que é importante a presença de mulheres na equipe de desenvolvimento de um jogo, pois quando há somente homens eles supõem como personagens mulheres reagem e vão interagir no jogo, caindo no clichê esteriótipo, onde não há mulheres humanas e tridimensionais.

No entanto, a professora Tatiana diz que “não há diferença em ser homem ou mulher no desenvolvimento dos jogos, é mais uma questão de afinidade”. Já Carnevalli diz ter mais mulheres desenvolvendo jogos é importante porque elas promovem uma visão diferente, “não vai ter isso, homem fazendo jogo para homem, é homem e mulher desenvolvendo jogos para homem e mulher”.

Apesar disso, Carnevalli vê atualmente o mercado de games com maiores oportunidades para as mulheres, apesar de estudar numa sala de aula com 15 homens e duas mulheres.

Em junho, a estudante e sua equipe participaram de um concurso da Unicef, e ela foi escolhida pela equipe para apresentar o jogo à crianças na cidade Castelo no Piauí. Ela conta que as crianças se assuntaram com ela porque achavam que apenas homens desenvolviam jogos. “Isso me assuntou bastante, as crianças olhavam para minha cara e apontavam ‘uma mulher!’”, diz Brenda.

 

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(Crédito: Nathani Mota e Priscilla Geremias)

 

Editado por Aline Pavani

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