Dia marca a luta das mulheres pelo fim da violência

Atualizado em 26/11/2014 às 19:20

Por Fabiana Oliveira e Juliana Gimenes

Já fazem mais de cinco décadas que “Las Mariposas” foram mortas pelo ditador Trujillo, na República Dominicana. As irmãs Pátria, Minerva e Maria Tereza se opunham ao sistema e lutavam por ideais de liberdade e respeito aos direitos humanos. No dia 25 de novembro de 1960 elas foram brutalmente assassinadas num falso acidente automobilístico, e é em homenagem a elas que o 25 de novembro de cada ano é lembrado como Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher.

A data foi instituída como Dia Latino Americano da Não Violência Contra a Mulher, no Primeiro Encontro Feminista da América Latina e Caribe, realizado em Bogotá em 1981. Em 1999, a Assembléia Geral da Organização das Nacionais Unidas (ONU) expandiu esta data, criando o “Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher”, com o objetivo de estimular a criação de políticas públicas e sociais, assim como a organização de encontros anuais nacionais e internacionais para a discussão do tema.

A violência contra a mulher, considerada um fenômeno histórico e um grande desafio para os direitos humanos, é refletida a partir de diferentes aspectos das relações humanas e da cultura científica, além de condicionantes socioeconômicos e políticos. Em seu último relatório a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que uma em cada três mulheres no mundo é vítima de violência conjugal, e que 7% das mulheres ainda sofrerão algum tipo de violência sexual durante suas vidas, independentemente de região, religião ou cenário social.

Na África, de 100 a 140 milhões de garotas e mulheres sofrem mutilações genitais, e 70 milhões são obrigadas a se casar antes mesmo de completar 18 anos. A “epidemia”, como o fenômeno é denominado pela OMS, ainda é considerada invisível, o que problematiza ainda mais o combate, além de ser considerada apenas a “ponta do ice-berg”, tendo em vista que grande parte dos abusos sequer são registrados.

 FEMINICÍDIO

Las Mariposas foram assassinadas por lutar contra um sistema político. Mas a verdade é que, no mundo todo, muitas mulheres são assassinadas por um outro motivo: por serem mulheres. As motivações vêm de um sentimento de posse que se nutre em relação às mulheres, ao ódio legitimado socialmente, ao desprezo e desrespeito à que todas estão submetidas cotidianamente.

De acordo com o Mapa da Violência e dados da OMS, o Brasil está entre os dez países que mais assassinam mulheres no mundo. Comumente, a imprensa chama casos em que a mulher é assassinada por ex-namorados, maridos e outros tipos de relacionamentos, de crimes passionais. Quer se fazer acreditar que esses crimes são motivados por amor, ciúmes ou descontrole emocional.

“É a completa desumanização da mulher, transformando-a em um objeto sobre o qual alguém tem propriedade, pelo simples fato de algum dia eles – proprietário e objeto – terem sido um casal”, escreveu a blogueira Nádia Lapa. Ela completa: “Mas a quem interessa dizer que tal crime é passional, que o réu estava sofrendo com a rejeição, ou que ele não conseguia enxergar a própria vida com a ausência da mulher amada? Com esse discurso, coloca-se o feminicídio como sendo de ordem privada. Assim, afasta-se a necessidade de uma discussão geral e mudança social acerca destes crimes. Parece que havia algo entre os dois que justificaria o assassinato”.

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(Créditos: Juliana Gimenes)

A VIOLÊNCIA EM SUAS MÚLTIPLAS FORMAS

É pelo mesmo motivo, o de serem mulheres, que diariamente muitas são violentadas, psicologicamente e fisicamente, nas ruas, trabalho e casas. Iolanda Toshie Ide é militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e para ela o combate à violência passa necessariamente pela solidariedade entre as mulheres. “Há um ditado que diz que em briga de marido e mulher, estranho não mete a colher. E nós não dizemos que nos metemos sim. Nós achamos que temos que ser solidárias com a companheira que foi agredida. É muito importante que nós mulheres, para nos defender da violência sexista, nos organizemos. As mulheres vão se organizando e se autoafirmando. É importantíssimo que as mulheres sem unam e se fortaleçam. É por isso que no 25 de novembro nós nos reunimos para nos manifestar para nos fortalecermos”.

Para ela, os diferentes movimentos de mulheres enfrentam um desafio em comum: “O desafio é o de sempre. Pra que se continue a violência, pra que se continue com o homem mandando em tudo e a mulher sendo submissa, inclusive diante da violência, é preciso que as mulheres estejam divididas. Que uma desconfie da outra”. E a violência assume diversas formas: “Por exemplo, ameaça é violência contra mulher, xingamento é violência contra a mulher, impedir que ela estude é violência, impedir que ela saia é violência. O assédio sexual também é uma violência contra à mulher”.

 O TRABALHO INVISÍVEL

“Tem um outro tipo de violência que quase ninguém fala, que é o trabalho doméstico sozinha. A mulher trabalha todos os dias sem descanso, todos os meses do ano sem férias e depois de trabalhar uma vida inteira, não tem aposentadoria. É um dado que não aparece, mas que causa um dano imenso às mulheres. Então nós temos um duplo padrão de moralidade. Os homens podem tudo e as mulheres não podem nada. Trabalho de homem vale e é pago. Trabalho de mulher não é pago. Isso é violência”, afirma Iolanda.

Lourdes Simões também é militante da MMM. Para ela, o trabalho doméstico é chave na discussão do feminismo. “Uma questão que é central é o reconhecimento que vivemos numa sociedade machista, homofóbica e lesbofóbica. Então tem que fazer algumas mudanças estruturais nesse sistema de opressão que as mulheres vivem. Para enfrentar a violência tem que enfrentar essa estrutura em que os homens dominam as mulheres. E tem que reconhecer que as mulheres tem um papel e que essa sociedade se estrutura no trabalho das mulheres que não é reconhecido. É estrutural”.

 LEI MARIA DA PENHA

Em agosto de 2006 foi regulamentada a Lei Maria da Penha, que apesar de não ter extinguido o quadro de violência contra a mulher, representa diversos avanços. Em oito anos os serviços de proteção foram expandidos. O número de centros especializados subiu de 92 para 231; o de casas de abrigo cresceu de 62 para 78; as delegacias da mulher e os núcleos de atendimento aumentaram de 328 para 500 e o de juizados e varas subiu de 19 para 100. Como reflexo, o número de mulheres que denunciam subiu em 20%.

“O enfrentamento à violência contra a mulher, sem essa lei, era difícil. Mesmo porque não tinha uma figura do crime específico do crime sexual, o crime sexista, no código penal. A Lei Maria da Penha especifica bem que tipo de violência que a gente se refere”, diz Iolanda.

Para Lourdes, a criação da Lei Maria da Penha torna a violência contra a mulher mais visível e cria um cenário com mais possibilidades, políticas e incentivos públicos. Entretanto, ao mesmo tempo, vivemos um momento de contradição. “Também há, por parte da sociedade, uma reação dos homens em relação a essa questão da violência. A medida que as mulheres vão expondo a situação, há do outro lado uma reação. Temos uma situação em que a violência aparece mais, mas ela também se intensifica”, explica.

 CAMPINAS

Lourdes relata um retrocesso do ponto de vista do governo municipal. “Em campinas temos um tratamento precário. As politicas públicas para as mulheres tem sofrido muita dificuldade. Um investimento muito precário por parte do governo municipal. Por exemplo, o centro de referência das mulheres, tem verba federal aprovada e está engavetado. E seria um bom espaço para socorrer as mulheres. O serviço está sucateado, delegacia. Uma delegacia que funcione 24 é o mínimo. Nem o mínimo a gente tem”. É aí que os movimentos sociais entram: “Temos iniciativas de entidades e ONGs que fazem mais pelas mulheres que o próprio poder público. Isso é real”, conta.

Cléo Dias é membro do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e acredita que a autonomia financeira é um importante passo nesta luta. “Nos reunimos com a Secretaria de Trabalho e Renda para falarmos sobre geração de renda e autonomia econômica. Realizamos também no mês de outubro um debate junto a Secretaria de Desenvolvimento Econômico falando de mulheres e tecnologia, procurando dizer que com os avanços as mulheres são bem aceitas e que há demanda para isso, e que é necessário reconhecer que elas são capazes de atuar em qualquer área”.

Cléo afirma que a secretaria, junto às universidades e sindicatos, podem atingir diversos segmentos da sociedade e, de maneira preventiva, conscientizar que a violência contra a mulher “É um compromisso de todos, não só das mulheres, mas também dos homens”.

ATO

A Marcha Mundial das Mulheres chamou um ato, nessa terça-feira (25), para marcar o dia. Cerca de 30 mulheres se reuniram em frente a 2º Delegacia Seccional de Campinas, próximo a Av. John Boyd Dunlop, para protestar e exigir uma Delegacia da Mulher, com atendimento especializado e funcionamento 24 horas, na cidade. Elas cantaram, batucaram e homenagearam as companheiras que já foram assassinadas.

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Editado por Verônica Miranda

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