Por Flávio Magalhães
“Nós temos estudos demonstrando que a maconha não é a droga que provoca mais dano. Mas veja, eu não disse que a maconha não provoca dano”. A frase do médico psiquiatra Hercílio de Oliveira, especialista em dependências de drogas pelo Centre of Addictions and Mental Health, pontuou a discussão sobre os efeitos dos diversos usos da cannabis sativa. A questão foi abordada na palestra “Maconha: entre a ciência e a sociedade”, promovida na noite de sexta-feira, 12, no Instituto CPFL Cultura, em Campinas.
Durante quase duas horas, Oliveira traçou um panorama histórico da maconha no Brasil e no mundo, expôs as polêmicas que envolvem o uso medicinal e recreativo da planta e respondeu dúvidas levantadas pelo público presente no Café Filosófico. “No mundo, a maconha é de longe a substância ilícita mais consumida”, afirmou o psiquiatra, baseado em um estudo das Nações Unidas. São cerca de 180 milhões de usuários.
No Brasil, entre 6% e 7% da população diz já ter usado a droga. “Mas se eu pego um país considerado europeu, o consumo na vida gira em torno de 30% a 40%”, comparou o psiquiatra. “Mas não vimos que as pessoas têm que ser mais educadas e informadas? Que falta educação? Nos países desenvolvidos, onde os níveis educacionais são maiores, esses caras estudados escolhem fumar mais? É isso? É exatamente isso”.
Outro ponto destacado por Oliveira foi a mudança na composição da maconha ao longo dos anos, especialmente o aumento no nível de THC (tetrahidrocanabinol), principal componente da planta responsável pela dependência. “Enquanto na década de 1960 a maconha tinha 2% ou 3% de THC, o Uruguai aprovou na lei uma margem de até 15%”, afirmou.
Sobre nosso vizinho sul-americano, o especialista acredita que não é “totalmente correta” a premissa de que a liberação da maconha seja um golpe no tráfico de drogas. “Por uma razão muito simples. O tráfico vai vender uma maconha mais forte e mais barata. O tráfico se reinventa. Essa indústria está sendo subestimada”.
RECREAÇÃO X MEDICINA
A partir do século XIX, a cannabis sativa passa a ser usada para fins terapêuticos. “Já no início do século XX, inicia-se uma cruzada de controle e, a partir da década de 1930, até proibitiva da maconha”, explica Oliveira. “Até que em 1961 um documento coloca o Brasil entre os países que proíbem o uso”.
Atualmente, 19 estados norte-americanos já liberaram o uso medicinal da cannabis sativa, enquanto dois permitiram o uso recreativo. Por aqui, o cenário é diferente. “A sociedade brasileira é extremamente conservadora”, disse o especialista. Se por um lado 48% da população aprova o uso medicinal da planta, 79% são contra a legalização da maconha.

RISCOS
Durante a palestra, Oliveira citou um estudo publicado em 2010 pela revista Lancet. Nesse trabalho, um grupo de especialistas classificou diversas substâncias de acordo com os riscos que elas podem provocar ao próprio indivíduo e à sociedade. “Vocês acham que a maconha ficou em primeiro? A maconha ficou em sétimo lugar”, contou o psiquiatra. O álcool foi considerado a droga mais nociva.
“A maconha não é a droga a ser demonizada, como se fala. Mas também não é inofensiva”, destacou. “Fumar maconha pode fazer mal? A resposta é sim. Tanto problemas físicos quanto problemas psíquicos”, afirmou. De acordo com o médico, há a ideia de que a maconha possa estar relacionada a câncer pulmonar. “No entanto, é muito difícil atribuir só a maconha a origem de um câncer de pulmão”, ressaltou.
Já no campo psíquico, Oliveira afirmou que o uso crônico da maconha traz prejuízos cognitivos. “O usuário de maconha frequente e pesado tende a ter uma atenção reduzida, tende a ter um aprendizado verbal prejudicado e tende a ter uma memória prejudicada também”. No entanto, não há consenso se esses efeitos são definitivos ou não.
O especialista defende que um grupo de risco, que engloba adolescentes e gestantes, deve ser protegido do uso da droga por ser mais vulnerável. “Usar maconha antes dos 15 anos aumenta em cinco vezes o risco, na idade adulta, de desenvolvimento de dependência de outras drogas”. Pessoas que têm na família um histórico de doenças como a esquizofrenia também podem desenvolver problemas, de acordo com o médico.
Para o Portal Digitais, Hercílio de Oliveira destacou a importância do debate. “É uma oportunidade ímpar, porque nos possibilita trabalhar essa questão como um todo”, disse.“Pena que a gente não pode fazer esse debate em Brasília”, encerrou.
Mais duas palestras sobre drogas lícitas e ilícitas estão programadas para o Café Filosófico do Instituto CPFL. “Das folhas às pedras: perigos da cocaína e do crack”, com o neuropsicólogo Paulo J. Cunha, ocorre no dia 19 de setembro, e “O cigarro: de símbolo de status à condenação”, com o psiquiatra João Maurício Maia, está marcada para o dia 3 de outubro. Todas às 19 horas.
Editado por Bruna de Oliveira