Desigualdade de gêneros no trabalho: um problema que ultrapassa a esfera econômica

Por Camila Correia

Em pleno século XXI, mulheres ainda recebem salários menores do que os homens, sofrem assédio e ocupam menos postos de chefia, mas essa é apenas a ponta de um iceberg social

A procuradora do trabalho Renata Coelho Vieira, especialista em discriminação, acredita que a eliminação da desigualdade de gênero implica numa mudança no sistema de produção e da consciência da sociedade (Foto: Divulgação)
A procuradora do trabalho Renata Coelho Vieira acredita que a eliminação da desigualdade de gênero implica numa mudança no sistema de produção e na consciência da sociedade (Foto: Divulgação)

O último Índice Global de Desigualdade de Gênero, publicado no ano passado pelo Fórum Econômico Mundial, coloca o Brasil na 62ª posição no ranking de 136 países. Apesar de não ser imutável, a desigualdade entre homens e mulheres em termos de participação econômica é baseada em princípios que vem sendo mantidos pela sociedade há décadas. A questão é que a consolidação dessa desigualdade no ambiente de trabalho tem trazido sérias consequências quanto à inserção da mulher no contexto socioeconômico do país.

Dessa forma, há dois princípios organizadores da divisão: a ideia que separa o que é trabalho de homens e de mulheres e a hierarquia que considera que o trabalho dos homens vale mais do que o das mulheres. Uma das principais justificativas ideológicas para a divisão de gêneros do trabalho é a naturalização da desigualdade. Ou seja, difundida pelo sociólogo Émilie Durkheim, essa teoria atribui a uma essência biológica as diferenciações das funções atribuídas para cada sexo no ambiente de trabalho.

No Brasil, as mulheres economicamente ativas têm, em média, 7,3 anos de estudo, enquanto os homens, 7,1 anos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (Pnad) 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o salário feminino equivale a 73% do rendimento masculino, sendo que, entre as trabalhadoras com 12 anos ou mais de estudo, essa percentagem cai para 66%. Mesmo nos setores da saúde, educação e serviços sociais, cuja maioria dos trabalhadores é mulheres, o salário em cargos de chefia corresponde a apenas 60% do rendimento masculino.

No entanto, é preciso cautela, pois, muitas vezes, o conceito da divisão fica reduzido às estatísticas sobre as diferenças de inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho. Isso não dá conta da complexidade do conceito. “Hoje a mulher não só sustenta como também é gestora do lar, mas basta a presença de um homem para que a sociedade entenda que ele é o chefe da família, ainda que não seja ele quem mantém a família economicamente. Isso se reproduz no ambiente de trabalho. Na indústria têxtil, por exemplo, é comum um grupo enorme de mulheres ser gerenciado por um único homem que as discrimina”, afirma a procuradora do trabalho Renata Coelho Vieira.

Desde 2010, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, autuou somente 17 inquéritos com a temática “discriminação por gênero”. Segundo a procuradora, os casos ocorrem com bem mais frequência do que revelam os inquéritos, mas fica difícil comprová-los porque a prática ainda é pouco denunciada e, às vezes, ocorre de forma muito subjetiva. No geral, as trabalhadoras sentem medo de se expor e de sofrer represálias. Além disso, faltam canais nas empresas para que as pessoas possam denunciar a discriminação de maneira anônima.

Mesmo quando a mulher ocupa o mesmo cargo profissional que o homem, o salário feminino tende a ser inferior e os postos de trabalho destinados à mulher, mais desqualificados. A professora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp Ângela Maria Carneiro Araújo define como “negação da realidade” o salário feminino ser visto como complementar e não principal. “Atualmente, mais de 30% dos lares são chefiados por mulheres. Na verdade, a contratação da mulher está em alta porque ela é vista como uma mão de obra mais barata, estável e comprometida com o trabalho. Portanto, as empresas procuram se beneficiar do fato de que a sociedade ainda aceita que as pague menos do que aos homens”, argumenta.

Enfim, as conquistas femininas no mercado de trabalho são notórias, mas estão longe de constituir uma verdadeira igualdade entre os sexos. Houve deslocamentos dos limites que segregam os gêneros, mas ainda não ocorreu uma ruptura definitiva das fronteiras da desigualdade. Para que a força de trabalho seja vista acima do gênero, alguns valores culturais devem ser mudados e o papel social da mulher, consequentemente, valorizado.

(Infográfico: Camila Correia)
(Infográfico: Camila Correia)

 

Editado por Priscila Jordão

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