Levante sopra poeira do abandono cultural de Campinas

Bruno Dias

Diversos artistas de Campinas se reuniram mais uma vez no Levante Cultura para ler um manifesto, elaborado pelo grupo, reivindicando melhorias nas políticas públicas culturais da cidade. Problemas de descaso da administração municipal com os grupos artísticos e com o próprio cidadão campineiro, que perde por não desfrutar do potencial de cultura existente aqui, formam o cenário de teatros abandonados e falta de incentivos.  A situação vem se arrastando há mais de cinco anos.

Diana Siquelero
Placa com o valor total da obra do teatro. Até hoje, 72,7% da obra foi realizada, ao custo de R$ 5,3 milhões.

Durante a manifestação, grupos artísticos da cidade fizeram apresentações dignas de um teatro bem estruturado, no entanto, o palco da vez foi a rua, já que o Castro Mendes continua fechado, desde o anúncio da sua reforma, em 2007. O Teatro Castro Mendes começou a ser reformado em junho de 2010 e deveria ser entregue, com todas as obras concluídas, em 12 meses, ao custo total de R$ 7,4 milhões. Segundo a prefeitura, até hoje, 72,7% da obra foi realizada, ao custo de R$ 5,3 milhões.

A data escolhida para o protesto, dia 15 de março, é a mesma que a prefeitura anunciou como dia da reinauguração do espaço; e o próprio teatro é apenas um símbolo de tudo que o Levante Cultura reivindica desde sua criação, em 2008, fruto do desdobramento de um movimento ainda mais antigo, o Redemoinho Regional, que começou sua luta contra os problemas culturais de Campinas em 2004.

Bruno Dias
Durante a manifestação, artistas vestidos a rigor cantaram paródias satirizando o cenário cultural de Campinas

Os figurinos eram de gala, como pedia a etiqueta, na época em que assistir uma peça teatral era um evento importante e respeitável. Toques divertidos, típicos da classe artística, faziam referência ao quanto esse garbo foi substituído, pelo menos em Campinas, a uma série de palhaçada que eles são obrigados a aguentar. Palhaçadas daquelas que não fazem rir, mas chorar. A exemplo do Fundo de Investimentos à Cultura do Município de Campinas (FICC).

 

Ouro de tolo
O Fundo tem a premissa de financiar projetos culturais e apoiar o desenvolvimento de espetáculos. A ideia funcionou bem nos primeiros anos de edital, porém em 2009 apareceu o problema: os grupos escolhidos foram caloteados. Cada um dos 96 projetos aprovados para receber o FICC naquele ano, recebeu, até a primeira manifestação do Levante Cultura, apenas 50% do valor estipulado no contrato. No dia 9 de setembro de 2009, organizados em um grupo com cerca de 80 participantes do movimento, os artistas saíram juntos do Centro de Convivência Cultural e foram até o Paço Municipal, para ler publicamente e entregar nas mãos do então diretor de cultura, Vinícius Gratti, um manifesto, contendo nove dos principais problemas com produção cultural em Campinas.

Bruno Dias
Ator em cena. Os "maltrapos" remetem à má condição da classe artística na cidade

O Fundo de 2009, segundo Tiche Viana, do Barracão teatro, uma das idealizadoras do Levante, foi pago. “No ano seguinte não houve edital, depois houve atraso nos pagamentos, de novo… Depois, nem sei mais!”, ri Tiche, do próprio problema. Vinícius Gratti era quem costumava responder pela pasta mais que o próprio secretário Arthur Achilles. Achilles saiu da secretaria, que foi ocupada por Renata Sûnega. “A entrada de Renata , em 2011, pelo menos levou a discussão cultural a outro nível, pois, por ser uma produtora, ela pelo menos sabia do que estávamos falando”, lembra Tiche. “Mudou muita coisa, prefeitura, secretariado, mas do que a gente reivindica, que é transparência, nada!”, reclama Ciça Gomes, integrante da Companhia Tugudum e do Levante Cultura desde o início.

Bruno Dias
A atriz da Companhia Tugudun Ciça Gomes

Debaixo de chuva
“Se tivéssemos teatro, isso não aconteceria”, grita um dos artistas quando a chuva de final de tarde de verão começa a cair sem suavizar a dose, e atrapalha a leitura do manifesto da vez, feita pelo ator Álvaro Tucundura, que, quando a água dá uma leve trégua, retoma:

Diana Siquelero

-Senhoras e senhores! É por essas e outras que precisamos de um teatro!

A segunda parte do texto, que pode ser conferido na íntegra no blog do movimento, foi lida sem sistema de som e luz, mas a fiel plateia continuou, ouvindo tudo debaixo da garoa. Segundo Ciça Gomes, em todos os atos do Levante Cultura, chove. Ela comemorou a permanência das pessoas, a quem a administração cultural poderia ter um pouco mais de consideração no que diz respeito à qualidade do que é oferecido. “Não queremos só um teatro aberto, mas com uma boa gestão. Queremos peças acessíveis. Não somos contra a Campanha de Popularização do Teatro, mas acreditamos que as peças que entram no programa devem ser melhor escolhidas”, diz Ciça.

Cobertura da Mídia
Um repórter que cobria a manifestação de 15 de março se refere à música Non Je Ne Regrette Rien, de Édith Piaf,  como “barulho”.

– Não dá, por causa do barulho! – diz ao cinegrafista.
– Barulho, amigo? Isso é música! – retruco.
– Sim, mas a música se torna barulho, pois não consigo gravar.

A repercussão sobre a transmissão do movimento ao vivo em outra emissora foi positiva. “Tiche, disseram que nos apoiaram, que foi legal”, informa o vendedor de cervejas crescido no boêmio Bixiga, de São Paulo, durante a entrevista.

A TV Movimento, de alunos da Unicamp, também cobriu a manifestação e montou uma matéria que foge aos padrões de telejornais, com enquadramentos cinematográficos. Você pode conferir o vídeo aqui.

Cena final
Os artistas engajados na política cultural de Campinas seguem acreditando na mudança. “A gente sabe que leva tempo para as coisas acontecerem, mas elas acontecem. O Levante Cultura é realmente uma frente da sociedade civil para dizer basta para qualquer secretário de Cultura, ou a qualquer Prefeito, que ache que a cultura não merece o lugar que merece, e para que no mínimo eles vejam o que eles têm na mão”, declara Tiche Viana. Para ela, ainda, a maior conquista que o movimento já obteve foi conscientizar a população de que é preciso tornar público o descontentamento e seguir reivindicando pelos direitos.

Bruno Dias
Pichações nos tapumes que envolvem toda a praça do Teatro Castro Mendes ironizam os funcionários fantasmas descobertos dentro da Secretaria Municipal de Cultura

Em entrevista à TV MOV, o ator e bailarino Gustavo disse que não é possível um artista de Campinas sobreviver apenas da demanda da cidade e, para lutar contra isso, a produtora cultural Larissa Biasoli apoia o Levante Cultura. Desde 2009 quando houve o calote do FICC, ela integra o movimento com intuito de reerguer a cultura e valorizar o trabalho de artistas da cidade.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Cultura, em nota, afirmou que o atual secretário Flávio Sanna diz que “é normal e faz parte do processo democrático manifestações populares, especialmente na área de cultura. Temos teatros fechados, herdamos o problema, e estamos buscando soluções. Mas o problema está aí e não adianta tentarmos esconder, por isso é justa a manifestação”.

Bruno Dias

Quando as apresentações do movimento de 15 de março pareciam ter chegado ao fim, outro grupo artístico pediu licença e o público, novamente, abriu o círculo. Era uma apresentação de músicas tribais. A torcida é para que quando, finalmente, a precária situação da cultura de Campinas se estabilizar, em uma condição boa de trabalho aos artistas e de oferta ao público, outra administração não apareça com um bis desses eternos últimos anos sem Castro Mendes, Sem Centro de Convivência, sem Carlos Gomes, sem Teatro da Concha Acústica…

5 comentários

  1. Além de ser uma vergonha uma cidade deste tamanho não ter incentivo à cultura, é uma vergonha maior ainda administradores que insistem em colocar a culpa em terceiros. Será que só é possível ter incentivo ao teatro quando se trata de atores globais contracenando? Ou mais lamentável ainda aos stand ups? Menos entretenimento e mais cultura. Parabéns ao Levanta Cultura pela luta e por ganhar as ruas, pois nem só de redes sociais vivem os movimentos.

  2. Fico com vergonha de ser campineiro.
    Castro mendes, Centro de Convivência, Teatro de Arena…
    Tem também o caso da Caravela.
    A cidade tá esquecida.
    Lamentável.

    1. Oi, Gui! Mas é como um amigo meu disse, o Levante é ótimo, mas é apenas uma frente da indignação cultural de Campinas, aquela formada pelos aritstas. O público também deve se organizar para reivindicar o seu direito de oferta cultural dentro de uma cidade como essa.

  3. Cara, ler isso e parar para refletir nos faz chegar a conclusões já conhecidas e, por isso, nos faz sentir sem força e voz para mudanças. A questão de conscientizar o público é muito delicada. Infelizmente a cultura não interpretada de maneira correta e expressões artísticas como teatro, pintura e exposições não chamam tanto a atenção dos brasileiros. A televisão ainda domina e a internet pode até piorar a situação (quiça isso mude). Mas penso que, se uma pessoa que se interessa por uma determinada arte conseguisse, ao menos, trazer uma outra pessoa para seu lado, aproximando-a das informações e interpretações de alguma expressão artística, talvez a situação pudesse melhorar.

    Falta conhecer. Infelizmente é corriqueiro o hábito simplista de negar por não ter experimentado, ter acessado e consumido. Precisamos não apenas de movimentações a favor da cultura, mas de uma provocação racional, que traga mais crítica e e reflexões…

    Falando em cultura, nesse fim de semana tem um ótimo programa em Campinas:

    http://www.facebook.com/l.php?u=http%3A%2F%2Fwww.campinas.com.br%2Fcultura%2F2012%2F03%2Fchapeus-cury-abre-pela-primeira-vez-ao-publico-para-uma-mostra-de-arte&h=2AQFje4YzAQGYhnCjDt_E_2zXopvswQPIAR0v3j72zeBPqw

    Bjs Di… Gostei do muito do texto… e me desculpa por redundar demais seu espaço com as minhas reflexões. hahahaha

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